Caminhos percorridos pelos dekasseguis de ontem
Estava procurando uma matéria que fiz sobre a CPI da imigração e achei esta aqui, do livro sobre dekasseguis. Engraçado, esta é de minha autoria, eu que posto aqui tantas reportagens de colegas jornalistas. Foi escrita em julho de 2002, época em que o livro foi lançado.

Caminhos percorridos pelos dekasseguis de ontem e hoje
Livro conta saga dos imigrantes e deixa à mostra paralelos da história de nossos ancestrais e da comunidade nipo-brasileira no Japão
Muitos dekasseguis, nikkeis ou não, reclamam das dificuldades de adaptação a um país totalmente estranho, muito distante de sua terra natal, onde muitas vezes são vistos com estranheza por causa de seus traços fisionômicos, cor da pele e hábitos. O estilo de vida, relacionamentos profissionais, idioma e escrita totalmente diferentes daquilo que se conheceu em seu país de origem são elementos que tornam ainda mais difícil e sacrificada a experiência de ser dekassegui. O que poucos lembram é que este desafio de vida também fez parte da história dos primeiros dekasseguis a cruzar o oceano, nossos ancestrais, imigrantes japoneses no Brasil. E os sofrimentos e provações pelos quais eles passaram não foram menores do que os nossos na atualidade. Se atualmente a idéia de “residir” nos pequenos apatos oferecidos nos ryôs das empreiteiras assusta e traumatiza muita gente, tente imaginar o que significou chegar às fazendas de café do interior de São Paulo e ter como oferta de moradia coletiva “galpões onde se dormia sob capim seco misturado com fezes de animais e, ainda por cima, sofrendo ataques de pulgas, o que não permitia sequer um cochilo”.

Caminhos percorridos
Com relatos assim, colhidos ao longo de dez anos de pesquisa, os jornalistas Cláudio Seto e Maria Helena Uyeda lançaram-se na aventura de narrar a história dos primeiros imigrantes a se fixar no Brasil e futuramente no Paraná no livro “Ayumi (Caminhos Percorridos) Memorial da Imigração Japonesa – Curitiba e Litoral do Paraná”, que a Imprensa Oficial do Paraná lançou em 18 de junho como parte da coleção Brasil Diferente. As narrativas, bem organizadas em capítulos curtos, organizados por anos, são típicas de imigrantes, sobre uniões desfeitas pela distância, adoção de adultos para garantir o direito a visto e emprego, casamentos contratuais pró-forma. A data, 18 de junho, não foi escolhida ao acaso. Oficialmente tido como o “Dia da Imigração Japonesa”, marca os 94 anos da chegada da primeira leva de imigrantes japoneses chegou ao Brasil a bordo do famoso navio Kasato Maru, trazendo 791 pessoas entre casais com filhos em idade produtiva e casais jovens com filhos menores de 12 anos. A pequena comunidade cresceu e hoje ela representa um contingente de 1,5 milhão de pessoas sendo que no Paraná, segundo maior estado em concentração de nikkeis (perdendo apenas para São Paulo e seguido do Pará e do Mato Grosso do Sul), moram 150 mil descendentes.

Preconceito
Apesar de três dos imigrantes da primeira leva (Eihati Sakamoto, Jintaro Matsuoka e Shinkichi Arikawa) terem vindo para Curitiba, tornando-se os primeiros japoneses a morar no Paraná, a vinda de nipônicos para o estado demorou a acontecer e teve características sui generis. Intelectuais paranaenses manifestavam-se totalmente contrários à vinda de japoneses para o estado e o governo (ao contrário de outras regiões do Brasil) jamais apoiou qualquer tentativa de imigração. Maria Helena conta, chocada, que nas publicações da época ressaltavam a imagem de trabalhadores árduos dos japoneses, capazes de ocupar bons postos, suportar privações e se sujeitar a salários abaixo da média como seu grande defeito. “Eles diziam que por estas razões o japonês era um competidor injusto para os outros grupos migratórios”, conta. Mas aí se escondia também um preconceito racial, pois as imigrações em massa de europeus fazia parte de um projeto de “clareamento” da morena população brasileira e o japonês, que chegou a ser citado como “raça ridiculamente inferior” não cabia neste plano. Bravos e cientes de seus direitos, os japoneses foram reagindo e se livrando dos grilhões que as companhias de imigração lhes impuseram nos contratos absurdos, mudando-se para áreas onde poderiam construir uma produção própria e chegaram ao Paraná. Assim, “o que houve foi uma migração”, frisa Seto, “pois os japoneses vieram para cá por suas próprias pernas, deixando para trás experiências difíceis nas fazendas de café, buscando oportunidades melhores e mais autônomas”, como a que formou em 1917 a Colônia Cacatu, em Antonina, no litoral paranaense, trazendo o primeiro grupo de japoneses proprietários de terras no estado. “Ao contrário do que muitos pensam, os primeiros japoneses se estabeleceram em torno de Curitiba e não no norte do estado, apesar da atual concentração de nikkeis em cidades como Londrina e Maringá”, conta Maria Helena.

De dekassegui a imigrante
Estas histórias reveladoras é que fazem de Ayumi um ponto diferencial na “história oficial” contada por governos e pela “colônia” no Brasil, formando um panorama de seis décadas (desde 1892, quando Dom João autorizou estrangeiros a comprar terras no Brasil e iniciou-se o ciclo de imigração até a colônia deixar para trás o desejo de voltar para o Japão, em meados de 1950. Este momento marca a passagem desta coletividade de “dekasseguis” para “imigrantes”, pois “até então os historiadores e jornalistas no Japão (bem como o povo comum) chamava os que vinham para o Brasil de dekassegui (o que faz trabalho temporário em outras terras)”, conta Cláudio Seto.
Como nossos atuais compatriotas que buscam construir um futuro melhor trabalhando no Japão, os japoneses que vieram para o Brasil submeteram-se a situações humilhantes e trabalho incansável no sonho de construir um patrimônio que lhes permitisse retornar ricos para o país de origem e lá se estabelecer com conforto. Mantiveram seus filhos visceralmente ligados à cultura e tradições orientais, montaram escolas em japonês e sacrificaram o dia-a-dia em prol deste sonho, que, para a grande maioria, não se concretizou. No pós-guerra, desgastados pela onda nacionalista que cobriu de preconceitos e injustiças os imigrantes oriundos do Eixo (Itália, Alemanha e Japão), que tomou propriedades e prendeu em campos de concentração a geração de nossos avós, os japoneses tiveram de reagir à dura realidade da derrota do Japão na guerra e da conseqüente impossibilidade de fazerem lá uma vida melhor do que tinham aqui. Também é este o momento de decisão porque passam muitos brasileiros que foram como dekasseguis para o Japão. “A gente ouve falar que muitos não querem mais voltar, já se adaptaram, os filhos são mais japoneses que brasileiros, enfim, construíram uma vida por lá”, comenta Seto. “Resta saber se este sacrifício repetido agora pela comunidade brasileira no Japão, que se assemelha tanto à história de nossos ancestrais, está valendo a pena”, completa Maria Helena. Eles preparam a segunda parte do livro, contando a história da comunidade nipo-brasileira a partir da década de 50. Quem sabe quantos de nós não constará, como nossos ancestrais, desta saga?

Corações Sujos
Nesta época eu também tinha lido o livro Corações Sujos, do Fernando Morais, editado pela Companhia das Letras. Fala sobre os derrotistas e vitoristas, as duas facções em que se dividiu a "colônia" japonesa no pós-guerra. Como os jornais e programas de rádio em línguas "do Eixo" (italiano, alemão e japonês) estavam radicalmente proibidos pelo governo brasileiro, muitos japoneses ficaram completamente desinformados e foram levados a crer que o Japão tinha saído vitorioso da Segunda Guerra. Quem eventualmente acreditava no contrário (ou seja, na verdade) era punido e chamado de Coração Sujo, por descrer na sua Patria. Enfim, uma aventura que diz respeito a todos nós, de algum jeito.
A resenha do livro
Achei no site da Companhia das Letras a resenha do livro para quem quiser. "A Shindo Renmei, ou "Liga do Caminho dos Súditos", nasceu em São Paulo após o fim da Segunda Guerra, em 1945. Para seus seguidores, a notícia da rendição japonesa não passava de uma fraude aliada. Como aceitar a derrota, se em 2600 anos o invencível Japão jamais perdera uma guerra? Em poucos meses a colônia nipônica, composta de mais de 200 mil imigrantes, estava irremediavelmente dividida: de um lado ficavam os kachigumi, os "vitoristas" da Shindo Renmei, apoiados por 80% da comunidade japonesa no Brasil. Do outro, os makegumi, ou "derrotistas", apelidados de "corações sujos" pelos militantes da seita. Militarista e seguidora cega das tradições de seu país, a Shindo Renmei declara guerra aos "corações sujos", acusados de traição à pátria pelo crime de acreditar na verdade. De janeiro de 1946 a fevereiro de 1947, os matadores da Shindo Renmei percorrem o Estado de São Paulo realizando atentados que levam à morte 23 imigrantes e deixam cerca de 150 feridos. Em um ano, mais de 30 mil suspeitos dos crimes são presos pelo DOPS, 381 são condenados e 80 são deportados para o Japão. Nesta sua volta à grande reportagem, Fernando Morais conta a história da seita nacionalista que aterrorizou a colônia japonesa no Brasil.Prêmio Jabuti 2001 de Melhor Reportagem "

Lembrei de outras duas coisas interessantes sobre a Shindo:O Claudio Seto (artista plastico e jornalista, entre outros talentos) era um bebê de colo nas reuniões da Shindo no interior de São Paulo, ele tem fotos suas comprovanto isto. E, claro, muitas historias inéditas que ele promete um dia contar. E o Fernando Morais acabou tendo conhecimento da história, até então fechada na "colônia", quando reuniu material para o livro Olga, que se tornou muito conhecido agora graças ao filme. Ele disse que ficou sabendo da história (incrível, diga-se de passagem) e guardou o material, escrevendo e publicando o livro anos depois.