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Sotaque Brasileiro em foco: Japão
Matéria que saiu na revista Sotaque Brasileiro, do Canadá, edição de outono de 2006.

Um pequeno Brasil no Oriente

Com 300 mil pessoas, a comunidade brasileira no Japão enfrenta o dilema da identidade cultural
Por Samantha Shiraishi, de São Paulo

Pense numa comunidade brasileira no exterior que tem tudo que você imagina para seu conforto: lojas, restaurantes, escolas, TV brasileira, vários jornais e revistas, agências bancárias, intérpretes em muitos órgãos públicos, empregos bem-remunerados. Parece um sonho? Pois este Little Brazil existe, e com a vantagem de sua população de 300 mil pessoas viver quase totalmente dentro da legalidade. Estamos falando da comunidade brasileira no Japão.
Iniciada em 1989, quando a lei de migração japonesa criou o visto de residente para descendentes de japoneses (estendido depois aos cônjuges brasileiros), a comunidade é conhecida no Brasil como dekassegui. Esta palavra japonesa é usada para se referir a pessoas que saem de sua terra natal para trabalhar temporariamente em outro lugar, longe de suas famílias.
No início do movimento dekassegui, apenas os chefes de família ou solteiros iam trabalhar no Japão. Mas os pais começaram a levar a família e a ter filhos no arquipélago. Logo começaram a surgir enormes dificuldades de adaptação dessas crianças às escolas japonesas. Como resposta ao problema, foram abertas mais de 60 escolas privadas brasileiras no país. Hoje, 19 delas são reconhecidas pelos governos dos dois países. Além disso, escolas japonesas têm programas extracurriculares de adaptação para os brasileiros.
Ainda assim, a educação das crianças é um dos maiores problemas da comunidade brasileira no Japão. Isso se deve à dificuldade que os pais brasileiros têm com o idioma, especialmente escrito, e ao impasse de criar filhos para serem brasileiros ou para serem japoneses. A escola brasileira mantém os vínculos com a pátria, mas limita os alunos ao universo fechado da comunidade brasileira no arquipélago. A escola japonesa, por sua vez, transforma os estudantes de outras nacionalidades em japoneses, o que atrapalha até a comunicação em casa porque essas crianças e jovens não falam o idioma dos pais, e estes não compreendem bem o japonês.

Envolvimento com o mundo do crime

Os problemas de adaptação, no entanto, não param aí. Quem imagina os descendente de japonês como o primeiro da classe que tira a maior nota no vestibular se assusta ao descobrir os grupos heterogêneos que se formaram no Japão. Lá, os brasileiros são associados à criminalidade tanto pela mídia quanto pela sociedade japonesa. Embora muitos digam que se trata de exagero e xenofobia, a verdade é que o envolvimento de brasileiros com o mundo do crime no Japão é preocupante. “Segundo relatórios da polícia, das quatro mil pessoas condenadas em 2004, 1.116 são brasileiros”, revela Adelson Brito, consultor para assuntos de prevenção ao crime na comunidade estrangeira da província de Shizuoka, região com grande concentração de brasileiros.
O consultor foi um dos entrevistados em recente reportagem que a TV Record fez no Japão ao acompanhar a visita da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Emigração Ilegal. “Fomos a presídios e reformatórios juvenis onde brasileiros estão encarcerados”, conta a jornalista Catarina Hong, correspondente da TV Record na Ásia. É a terceira vez que uma comissão de deputados brasileiros averigua a situação dos brasileiros no Japão. Há um ano, o presidente Lula esteve no Japão, mas ainda não há resultados concretos da visita.
Os brasileiros estão concentrados em cidades industriais japonesas. Hamamatsu, Nagoya e Oizumi abrigam as maiores populações brasileiras. A grande maioria dos brasileiros trabalha como operário nos chamados “serviços 3K”: kitanai (sujo), kiken (perigoso) e kitsui (pesado). Fazem o trabalho que o japonês já não se sujeita a fazer. O salário mensal é de cerca de CAD$ 2 mil para mulheres e CAD$ 3 mil para homens – 13,58 por cento do salário é direcionado para o seguro-social, que só recentemente passou a ser obrigatório para os brasileiros.
Na teoria, brasileiros e japoneses são submetidos às mesmas leis trabalhistas, mas poucos dekasseguis têm consciência de seus direitos ou fazem uso deles. A razão disso é a falta de conhecimento do idioma, fator que isola a comunidade dos japoneses, além de causar muitos mal-entendidos e conflitos entre as duas culturas.

Mão-de-obra mais barata
Outro desafio no mercado de trabalho é a oferta de mão-de-obra mais barata. A crescente onda de imigrantes asiáticos levou para o Japão chineses, tailandeses e indonésios que trabalham por um terço do salário pago aos brasileiros. Mas ainda há quem invista na reputação de povo trabalhador dos brasileiros no Japão. “Apesar dos rumores sobre mão-de-obra mais barata, acredito que o movimento dekassegui vai continuar por muito tempo. O alto padrão da mão-de-obra brasileira é reconhecido pelos empresários japoneses”, diz Mutumi Iamada, vice-presidente da Associação Brasileira das Agências Nikkeis (Aban), com sede em São Paulo. A organização agrega empresas que intermedeiam a contratação de brasileiros por fábricas japonesas.
Iamada ressalta que, além de a situação econômica do Brasil continuar desfavorável, muitos brasileiros estão se fixando no Japão, fator que motiva parentes a ir para lá. “E mais: o Japão vive uma crise demográfica e precisa de imigrantes. Uma revisão na lei de imigração não mudaria drasticamente o futuro da comunidade”, diz. A revisão da lei a que Iamada se refere é motivo de preocupação na comunidade dekassegui. Em junho, o vice-ministro da Justiça japonês, Taro Kono, apresentou um esboço de projeto de reforma da política migratória do Japão que sugere mudanças significativas como a abolição do visto de residente permanente para descendentes de japoneses. “Temos de admitir que abrir as portas do país desta forma foi um erro”, disse o vice-ministro à imprensa.
A situação dos imigrantes no Japão está em discussão no Parlamento japonês. O Partido Liberal Democrata (PLD), do primeiro-ministro Junichiro Koizumi, apresentou uma proposta no sentido oposto. O governo quer promover a mão-de-obra estrangeira no Japão e propõe a extensão do período de permanência dos descendentes de japoneses de três para cinco anos e a criação de um Green Card para profissões altamente qualificadas, o que facilitaria a entrada de estrangeiros sem ascendência japonesa no país.

O tamanho da comunidade brasileira no Japão

A terceira maior comunidade brasileira no exterior, tem uma vasta malha de negócios e serviços que inclui de bancos a escolas e shopping centers.
· População brasileira no Japão: 300 mil pessoas. Hamamatsu é a cidade com mais brasileiros (18 mil). Cerca de 30 mil brasileiros vivem na região de Hamamatsu e cidades vizinhas
· Escolas brasileiras: Mais de 60; 19 reconhecidas pelo MEC, Ministério da Educação do Brasil
· Estabelecimentos comerciais: 400 lojas, 80 restaurantes e vários shopping centers
· Bancos: Cinco bancos – Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Santander e Banespa – têm agências no Japão para atender a clientela brasileira
· Mídia verde-amarela: três jornais semanais; cinco revistas mensais com circulação nacional e algumas revistas locais; vários programas de rádio
· Igrejas: Cerca de 500 igrejas para brasileiros (a maioria delas evangélica)

Quem são eles
Conheça o perfil e os sonhos de quatro brasileiros que vivem no Japão
“Meu lugar é no Brasil”
Quando tinha nove anos, Nanci Lissa Miyagasako, 24, foi morar no Japão, onde fez faculdade de relações internacionais. Nanci quer ser professora, faz estágio em uma escola japonesa e participa do grupo de voluntários IAPE (Intercâmbio de Alunos e Pais Estrangeiros) dando aulas de português e espanhol. “Só aos 18 anos é que reencontrei minha origem brasileira. Fui para o Brasil num intercâmbio da Children's Resourse International, instituição japonesa que atua na associação comunitária da favela Monte Azul, na Zona Sul de São Paulo”, conta. “Pena que não falo bem português para tentar trabalhar no Brasil. Meu lugar é lá. Não quero passar o resto da minha vida no Japão, sendo forçada a ser séria e quieta.”

Falta de perspectivas
A falta de perspectivas no Brasil levou André Kenji Teruya, 29 anos, para o Japão em 1995. O jovem do ABC paulista foi trabalhar em uma fábrica de automóveis na província de Shizuoka. “Sofri muito, tinha saudades do Brasil, estranhava a nova rotina, mas também sentia um deslumbramento por tudo à minha volta, por mais banal que fosse.” André saiu da fábrica para trabalhar como intérprete por telefone em uma companhia de comunicação. Hoje, ele também dá aula de português em uma escola para filhos de dekasseguis. Em um de seus retornos ao Brasil, ele começou a estudar Letras mas teve de trancar a faculdade porque o dinheiro acabou. “O Japão foi, mais uma vez, a solução. No Brasil não sei se teria chances profissionais que tenho aqui.”

Longe do filho
Tatiana Lina Yamada, 30 anos, passou metade da sua vida Japão, para onde foi com a irmã mais velha para encontrar o pai, em 1991. “Fiz um pouco de tudo aqui. Trabalhei em fábricas, cuidei de crianças, fiz bolos, salgados, pratos congelados, trabalhei em restaurante, escritório, escrevi para um jornal em português.” Hoje Tatiana se dedica à filha Luna. O filho mais velho de Tatiana, Yudi, de 12 anos, não se adaptou às escolas japonesas e foi morar no Brasil com os avós. “Espero que ele venha ficar comigo no final do ano. Eu gosto do Brasil, mas depois de tanto tempo vivendo fora do país, a minha maneira de pensar mudou muito. Não sei se me readaptaria ao Brasil.”

Blog sobre adaptação ao país
Formado em turismo, Leandro Ikehara, 26 anos, chegou ao Japão em maio convidado pelo pai, dekassegui há mais de uma década. Pai e filho trabalham numa panificadora. Leandro ainda não fala japonês e tenta se virar em inglês. “Falo “nihonglish”, uso palavras que derivam do inglês com sotaque japonês.” Muitas palavras inglesas foram absorvidas pela língua japonesa –hamburger, por exemplo, virou hambago em japonês. Leandro quer trabalhar na sua área de formação e para isso criou um blog (www.boardingpass2.blogspot.com) em que dá informações turísticas sobre o Japão e fala com humor sobre a adaptação à vida de operário no Oriente.