Ensino de japonês busca novos caminhos

Do Paraná Shimbun

Foi-se o tempo em que o ensino da língua japonesa tinha objetivo específico de preservação da cultura e a manutenção de uma identidade japonesa. Aquelas famílias tradicionais em que os próprios filhos de japoneses – os nisseis – conversavam em japonês em casa foi sumindo e dando lugar às novas gerações de descendentes, mais integradas à cultura brasileira. As mudanças vêm ocorrendo, ao longo de décadas, no esteio do centenário da imigração japonesa no Brasil e na discussão sobre o futuro da comunidade nipo-brasileira. Japoneses “legítimos” se escassearam, o apego à tradição e costumes também e o número de descendentes que falam ou entendem a língua japonesa foi desaparecendo. Soma-se a isso a debandada de boa parte da “colônia” para o país de origem dos seus ancestrais na condição de dekassegui, movimento sociocultural que não tem ainda duas décadas e que tem contribuído até para mudar a relação Brasil-Japão.
Com as mudanças, grande parte das tradicionais escolas de língua japonesa de Londrina encerraram as suas atividades, a maioria no período anterior ao movimento dekassegui, que reacendeu a necessidade de aprendizagem de língua japonesa. A Escola Megumi de Língua Japonesa foi uma das poucas que se mantiveram de pé nesse vai-vém de mudanças socioculturais e educacionais.
“Ainda tem pais que procuram matricular seus filhos em escola de língua japonesa com a intenção de preservar a cultura japonesa e o que existe de bom nela, mas muitos fazem isso pensando em conseguir bolsas para estudar no Japão ou têm interesse em levar seus filhos para acompanhá-los na trajetória de dekasseguis”, comenta Rute Ayumi Sakai, diretora da Escola Megumi.
A escola, além de se manter firme no segmento de ensino de japonês há quase 50 anos, é uma das que mais cresceram nas últimas décadas entre as diversas instituições de ensino londrinenses. Hoje oferece ensino fundamental e pré-escolar, com as línguas inglesa e japonesa incluídas no currículo. “Temos quase 300 alunos, a grande maioria descendentes de japoneses e mestiços, entre o ensino fundamental, pré-escola e curso específico de japonês. Mas muitos são não-descendentes, que buscam na escola o contato com a cultura japonesa e o relacionamento com nipo-brasileiros”, relata Rute.
“A gente busca essa integração entre as duas culturas, tentando contemplar o lado mais comedido, reservado e observador dos japoneses e o lado mais solto e extrovertido dos brasileiros. O taikô, por exemplo, que introduzimos como uma das atividades da escola, ajuda a despertar para a cultura japonesa. O que no começo eram só duas turmas foi se ampliando e hoje temos quatro turmas lotadas de interessados, que adoram participar de eventos como matsuri-dance”, conta.
Para ela, a manutenção e a ampliação da escola se devem à visão de futuro de seu pai e fundador da escola, professor Masahiro Sakai. “Ele sempre foi inovador, lia muitos artigos sobre a educação, foi criando apostilas, trazia palestrantes, procurou sempre aperfeiçoar os métodos de ensino. No próprio relacionamento com os pais ele buscou sempre acompanhar as mudanças, começou a tratá-los como brasileiros mesmo e a atendê-los em português. Afinal, hoje os próprios diityans (avôs) já conversam em português”, comenta Rute.
A escola, evidentemente, teve que se adaptar às mudanças. As aulas diárias passaram a ser dadas duas vezes por semana e o período de conclusão de curso foi flexibilizado. “Os alunos tinham que ter tempo também para cursos de inglês e outras atividades, e as aulas adaptadas para cada tipo de aluno, de crianças a adultos”. O material didático também passou por mudanças, até culminar na introdução de ensino fundamental, que além de inglês e japonês ensina também filosofia e artes. Essas mudanças, segundo Rute, foram sendo introduzidas para atender às necessidades da clientela.
Os filhos de dekasseguis necessitam de tratamento especial, segundo ela. “Tem crianças que voltam do Japão falando só o japonês, outras com português precário. As crianças entre 5 e 7 anos são de mais fácil adaptação, mas as de 10 anos são mais difíceis. Nós aconselhamos os pais a não deixarem de conversar em português com seus filhos enquanto estiverem no Japão”, diz.
Sobre o futuro do ensino da língua japonesa, Rute não tem dúvidas de um fato: “Não podemos mais pensar que o idioma japonês seja ensinado só para preservar a cultura japonesa. Embora ela esteja ainda muito presente entre os descendentes de japoneses, os objetivos em matricular as crianças nos cursos de língua japonesa são outros hoje. Temos que encarar como se estivéssemos ensinando inglês, francês ou espanhol”, finaliza.

Apoio japonês no ensino da língua
A Escola Modelo da Aliança Cultural Brasil-Japão do Paraná também passa por adaptações no ensino da língua japonesa. “Vivemos uma outra realidade hoje. É como ensinar para estrangeiro sem vínculo com a cultura japonesa, embora os objetivos originais se mantenham, ou seja, o de transmitir a língua e a cultura japonesas e servir à comunidade nipo-brasileira”, afirma a professora Luísa Kitanishi, nissei, ex-professora do ensino fundamental e do Ilece, responsável pela escola. Na Aliança, dos 120 alunos apenas 30 são crianças; o restante são universitários que pleiteiam bolsas, dekasseguis ou pretendentes a trabalhos no Japão.
“A grande diferença é que hoje as crianças já não aprendem ouvindo os pais falando japonês, a não ser uns poucos que têm em sua casa os diityans e baatyans (avôs). No tempo em que estudei o japonês, os pais conversavam em japonês e lia muitas revistas, gibis e jornais, que eles assinavam”, comenta.
A professora Luísa passou a dar aulas de japonês por acaso: “Vim fazer curso na Aliança sobre História do Japão, aí o sensei me convidou a dar aulas para as crianças e aceitei”, conta.
A diversidade da clientela faz a escola flexibilizar também o ensino. “Tem gente que vem para estudar dois meses, seis meses, um ano... A maioria quer noção básica de japonês, muitos vêm para recapturar o que já tinham aprendido, outros já estiveram no Japão e sentiram a necessidade de aperfeiçoar os conhecimentos na língua. Por isso, oferecemos o curso em níveis, que vão de básico, intermediário a avançado. Temos até uma turma de senhoras em nível acima do avançado”, relata.
A escola oferece aulas duas vezes por semana, de uma hora e meia cada. São cinco professores. A Escola Modelo de Londrina é subordinada ao Centro de Estudos da Língua Japonesa, da Aliança Cultural Brasil-Japão do Paraná, e segue a orientação nacional dada pelo Centro Brasileiro de Língua Japonesa, que, por sua vez, conta com o apoio da Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica).

Professora japonesa acha que nikkeis brasileiros têm bom nível
A Jica, aliás, disponibiliza professores japoneses para dar orientações aos professores de língua japonesa no Brasil. A Aliança abriga há um ano a professora japonesa Yoko Ota, que dá assessoria a professores de toda a região norte do Paraná. Ela deve permanecer na região por mais um ano.
Segundo a professora, de uma forma geral o nível dos alunos das escolas japonesas da região é bom, melhor que de outros países em que Jica atua. “Os nikkeis brasileiros conhecem a cultura japonesa, por isso absorvem melhor o ensino da língua”, ressalta.
Segundo ela, ainda pulsa o coração japonês no Brasil entre os descendentes de japoneses. “A impressão que tenho dos japoneses do Brasil é do Japão da década de 60. Parece que eles pararam no tempo”, comenta. Para ela, isso deve ter contribuído para que a comunidade nikkei brasileira ainda seja tão solidária, trabalhe em comunidade e promova tantos eventos relacionados à cultura japonesa. “Os japoneses de antigamente, mesmo não tendo dinheiro, se ajudavam mutuamente, conheciam seus vizinhos, visitavam-os. Se faltasse arroz, o vizinho emprestava, com todo agrado. Hoje a sociedade japonesa é apegada demais ao dinheiro, não se importam mais com seus vizinhos”, diz.
Sobre a questão dos dekasseguis, a professora Ota considera que é o caminho natural das próximas décadas. “Se falta mão-de-obra no Japão, é natural que se busque fora do país, e os brasileiros com ascendência japonesa podem ser bons parceiros, já que eles assimilam a cultura japonesa com mais facilidade. Acho que tanto a parte brasileira quanto a japonesa devem tentar facilitar a vida dos dekasseguis brasileiros no Japão, preparando-os inclusive em termos educacionais”, diz.